domingo, 8 de abril de 2012

A LIRA AÇORIANA e o canto dos Grupos Corais da Horta e das Lajes do Pico, na Matriz das Lajes a 7 de Abril de 2012

A nossa participação com o Grupo Coral das Lajes, apesar de pouco significativa, no concerto de Páscoa que a Lira Açoriana deu na Igreja Matriz das Lajes, no sábado, 7 de Abril., foi uma experiencia para recordar e tirar lições.
Foi a primeira vez, e penso que terá acontecido assim com muitas outras pessoas, que vimos ao vivo a Lira Açoriana, a selecção musical dos tocadores filarmónicos açorianos, espalhados por todas as ilhas. Uma selecção que faz lembrar outras selecções, esta de qualidade superior, dentro do seu género, naturalmente.
Nunca fui filarmónico, nem estudei algum instrumento de sopro ou de arco. Apenas estudei, um pouco, a voz que Deus me deu – o melhor instrumento musical de sempre. Na juventude, nunca tive posses para ter e aprender um instrumento de teclas, sopro ou de cordas.
Apesar disso, e apesar da minha audição já não ser o que já foi, digo que o seu desempenho foi perfeito, coeso, com uma perfeita conexão entre todos os instrumentos, daí resultando uma fusão, arco-íris de todos os sons.
A obra artística musical, na análise que faço, resulta da percepção que provoca na audição do ouvinte. O que senti, durante a audição do concerto, foi isso mesmo – uma perfeita sintonia entre todos os diversos componentes. E ficaria por aqui, quanto à actuação puramente instrumental.
Mas antes, permitam-me que refira a participação desta ilha. Sem entrar em comparações, nem fazer juízos de qualquer espécie, esta ilha contribui com um bom número de músicos. Uma razão que muito apreciamos e que deve deixar os responsáveis da ilha, satisfeitos pelos muitos valores que cada vez mais despontam no meio onde vivemos. Com um relevo especial para os dois músicos, componentes da orquestra, também seus compositores – Hélder Bettencourt e Antero Ávila.
Este é o primeiro grande sinal de garantia para o futuro da Lira Açoriana, como também para as instituições musicais espalhadas pelas ilhas – grupos folclóricos, grupos de cantares, grupos corais e paroquiais, bandas filarmónicas.
Exprimo aqui, que foi a partir dos tempos, não muito recuados, em que a Música começou a fazer parte dos currículos das escolas públicas, que os progressos se fizeram sentir. Por isso hoje temos uma LIRA AÇORIANA, e temos melhores filarmónicas. Vamos no bom caminho.
Retomando o concerto, e numa apreciação global, confesso que ficámos satisfeitos com o desempenho de todo o conjunto. Já atrás o dissemos. As execuções foram perfeitas, de elevado grau de qualidade.
Na parte coral ainda há muito trabalho por fazer. O que não é de estranhar. A voz humana é um instrumento muito delicado. Sobretudo para temas com acompanhamento de instrumentos de sopro. Quando as vozes aparecem, toda a orquestra deve mostrar que está ao serviço da voz humana, pois é ela que dá vida e alma a todo o grupo. As vozes tem de aparecer, claras, limpas, seguras, expressivas, sorridentes. Para isso precisam de ter corpo e consistência, segurança. Foi o sector menos trabalhado, sem desprimor para ninguém.
Não é crítica, antes pelo contrário. É alerta para melhor trabalho. Um apelo para que se olhe mais para a voz humana. Para que se cultive mais a voz humana, nas escolas e nos grupos corais, como hoje fazem os filarmónicos com os seus instrumentos. Alguns até nos dão a ideia de algo fora do comum - visão celeste, angélica. Eles deram a lição.
A nossa participação, pouco relevante, deu para recordar no futuro, perceber, entender e tirar lições. Parabéns à Lira e aos Coros da Horta e das Lajes que participaram.
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sexta-feira, 6 de abril de 2012

Conselhos de Ilha...entidades desnecessárias

Antigamente, ouvia falar dos conselhos de família, sempre que alguém deixava este mundo, e com ele os bens que gozou durante a vida, sem lhe ter dado o destino futuro, enquanto viveu.
Era preciso saber dar a esses bens um dono: a sua distribuição pelos familiares mais directos ou outras soluções consentâneas com as leis do país, em conformidade com os usos e costumes.
Mas este preâmbulo nada tem a ver com sucessões de bens. Mas tem a ver, sim, com os nossos hábitos. Que geralmente são bons e devem ser cultivados. A não ser que sejam duplicações sem utilidade.
Talvez, por isso, se tenha um dia pensado, já depois de ter sido eleita a primeira Assembleia Regional dos Açores, na constituição do designado Conselho de Ilha. Isto é, depois do edifício constituído – uma Assembleia, para a Região, uma Assembleia para a Câmara Municipal e uma Assembleia para a Freguesia, ainda teria que haver uma outra quarta Assembleia, o Conselho de Ilha.
Seria uma entidade que estaria para além das outras, uma espécie de fonte informação, uma entidade suprapartidária, qualquer coisa a mais para ajudar. Ora bem, veio a revelar que não veio ajudar nada. Só veio para confundir, discutir, perder tempo, e nada mais.
Vejam: uma Assembleia Regional para as questões do Governo; uma Assembleia Municipal para as questões do Município; e uma Assembleia de Freguesia para as questões da Junta de Freguesia. E pergunta-se, para quê ainda mais uma assembleia?
Exemplifiquemos: Um governo só responde perante a Assembleia Regional. Quando visita uma ilha, só os deputados da ilha é que são os legítimos representantes do povo para dizer e questionar a acção governativa. Eles e só eles é que devem acompanhar o Governo dentro da ilha, só eles é que devem colocar as questões da ilha. As autarquias são chamadas a colaborar na execução de projectos, e poderão ser consultadas pelos governos. Nada mais.
Basta que para isso os deputados da ilha estejam bem informados – é a sua obrigação – dos problemas da ilha que sejam da responsabilidade do Governo, e estejam sempre prontos para o fazer.
E por isso, façam o enterro ao conselho de ilha. É uma entidade que está a mais. Já nos dizia o mestre em filosofia, José Enes: “non multiplicanda entia sine necessitate”, não se devem multiplicar os entes sem necessidade.
É possível que haja alguém que não esteja de acordo. Mas, por aquilo que vejo e leio nos jornais, chego à conclusão que é melhor pedir contas aos deputados, colocá-los à frente das questões da responsabilidade dos governos. Esse é o caminho. São os deputados que hão-de procurar saber dos problemas, colocá-los no parlamento e colocá-los também nas visitas que os governos fazem às ilhas. Os povos devem pedir responsabilidades, primeiro aos deputados.
 O êxito dos governos depende do que os deputados fizerem.
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terça-feira, 3 de abril de 2012

"Semanas Culturais e Recreativas" - Calheta do Nesquim

A freguesia da Calheta do Nesquim pertence ao Concelho das Lajes do Pico e fica situada na zona da Ponta da Ilha, toda virada para os mares do sul. É zona bastante extensa e íngreme.
Seguindo o percurso de leste para oeste, vai da Cruz do Redondo, passa no Terreiro junto ao porto e prossegue até à Ribeira Grande, onde termina.
 Assim me habituei a percorrer a Calheta desde os tempos antigos, quando, na companhia de pessoa de família, ia comprar o cotim para as calças de agasalhar, à loja do José d’Ávila, no Terreio da Calheta, ou, mais tarde, para ir às festas do Bom Jesus, geridas e orientadas pelo Padre Adolfo Ferreira.
 Os engenheiros que fizeram o alinhamento da estrada regional, quando entraram na zona da freguesia em direcção à Piedade, optaram por uma ligação mais interior e alta, em vez de uma outra mais próxima do aglomerado populacional.
 Beneficiaram os habitantes dos terrenos mais interiores, em detrimento dos restantes que habitavam as zonas mais ribeirinhas. A opção acabou por ser compensada, tanto para os homens da pastorícia como para os pescadores e baleeiros, com os melhoramentos do ramal. No princípio, algo difícil. Mais tarde, tornado acessível e de fácil trânsito.
 Apenas um reparo, ainda hoje notório: os espaços exíguos no centro da freguesia, para o estacionamento de viaturas em dias festivos ou de maior movimentação. O campo de futebol tem sido uma boa solução para estacionar em dias de maior movimento.
Nos caminhos e acessos, nas águas e nas luzes, a comunidade calhetense goza dos benefícios que hoje se exigem. As falhas, se as há, não serão de monta. É a nossa percepção.
Em todas as áreas da sustentabilidade humana a comunidade calhetense não diverge muito das outras comunidades. Talvez menos na agricultura, mais na pecuária e mais ainda no mar. Isso é notório pela sua própria geografia. A História assim o confirma. O manto das culturas agrícolas é íngreme e de pouca dimensão, de difícil mecanização. Apto para as frutas e vinhas.
No passado, o mar foi a grande fonte de riqueza, devido à pesca e à caça da baleia. Uma actividade que marcou a freguesia e a ilha. Tão importante e de tamanha dimensão que se estendeu à palavra e à literatura. Um seu filho – José Dias de Melo – foi o homem que lhe deu essa fama e que a levou aos quatros cantos do mundo. Na exposição dos livros, lá estavam muitos dos exemplares das obras que escreveu.
Hoje, na pesca artesanal, não terá a dimensão desejada, mas continuamos a ver muita embarcação no seu porto de pesca. Sinal de boa actividade piscatória.
Porque os acessos foram abertos para as zonas dos matos, a pecuária terá maior dimensão. No seu interior, lugares altos, as pastagens são campos abertos e verdejantes indicando grandes criações.
E nas indústrias lá encontramos uma moagem e uma panificação, a Padaria dos Fetais, bastante conhecida em toda a ilha, além de um artesanato  de valor.
À semelhança das outras “Semanas Culturais e Recreativas” até aqui levadas a efeito, também as tertúlias foram revelando as virtualidades da freguesia. De tudo, um pouco se falou e discutiu, de metas a ter em conta. Um Club Náutico pode ser, um dia, uma realidade.
 Todo o património cultural parece-nos bem cuidado. A Igreja Paroquial, o Império do Espírito Santo, o Salão Polivalente, as Casas dos Botes, a Escola, o Moinho do Morricão, as Piscinas, o Coreto, os pequenos largos das festas de verão nas Canadas e na Feteira, são os retratos da vida cultural dos calhetenses. São a prova dos esforços feitos na sua conservação. Em todas perpassam e se preparam os mais diversos eventos ao longo do ano. A Filarmónica, já centenária, ocupa lugar privilegiado.
No campo das acessibilidades há, no nosso entender, uma ligação a completar. Da Feteira para a Manhenha. Por muito pouco interesse que possa parecer, há que cultivar o pouco que se tem. É pelas pequenas coisas que se qualificam as obras, grandes ou pequenas, e se preparam os lugares para serem desejados a acarinhados.
 Um lugar, isolado, pode ser mais atractivo, do que um outro, bem no centro da vila ou da cidade. É tudo uma questão de saber dar-lhe o ambiente merecido. E julgo que, uma boa lição a tirar destas “semanas culturais”, é mesmo esta: tornar a freguesia mais atractiva, mais bela.
Não incluímos o lugar das Faias no apontamento que fizemos sobre a Piedade. Cabe aqui pela sua proximidade, e como exemplo. Se os melhoramentos da água e da luz tivessem vindo mais cedo, talvez ainda por lá habitassem pessoas…
É a nossa opinião, quando apelamos aos melhoramentos dentro das nossas aldeias. Para que não se tornem cada vez mais desertas…para que se afirmem, perante os governos, que, quando as coisas não lhe correm bem, logo atiram as culpas para os mais afastados.
Continua a ser válido, fundamental, dar vida às freguesias, que foram feitas pelas pessoas, e não por determinação dos altos cargos da governação da cidade ou da capital. Deixem as pessoas viver no lugar que elas próprias escolheram para viver e crescer.
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segunda-feira, 19 de março de 2012

"Semanas Culturais e Recreativas" - Piedade

O programa apresentado foi apelativo. Foi ao encontro das pessoas, ao encontro da comunidade, como um todo, que vive e cresce envolvido das mesmas condições e anseios.
        Neste apontamento alusivo ao evento, começo por recordar que a Piedade tem filhos ilustres, capazes de dar aos de fora, a imagem do que sempre foram e do que podem continuar a fazer rumo ao futuro. Porque é pensando no futuro que as semanas culturais e recreativas se fazem e têm interesse. Há fontes esquecidas que importa activar.
        A passagem pela furna da Sapateira foi uma novidade. Nunca tinha ouvido falar em tal furna, caso para dizer que, mesmo às portas do lugar onde nascemos, acabamos por não saber de tudo o que se passa à nossa volta. Afinal aquela furna tem História, como o referiram os muitos visitantes que lá foram. Um dia, serão conhecidas, cremos nós.
 A minha participação nesta semana foi limitada. Todavia, mesmo limitada, deu para maravilhar a vista pelo muito que vimos no Salão da Filarmónica, e que merece, na nossa opinião, uma exposição permanente, capaz de ultrapassar a própria freguesia.
As tertúlias, os encontros promovidos ou casuais, são ocasiões para dizer o que se pensa. E lugares, hoje, não faltam. Chegou a altura de pensar mais com a cabeça e menos com o coração. Sem olhares partidários que, por vezes, só perturbam e conduzem à discórdia, que importa evitar.
Não gostaria de ficar por aqui sem lembrar uma figura que não vi na exposição de livros: a figura do Professor António Ávila Coelho.
Foi Professor Primário. Todos os anos, aparecia por altura da festa da Senhora da Piedade. Era nessa ocasião que o via e com ele trocava algumas palavras. Ele, bem apresentado, de falar risonho e cordial, irónico por vezes, passeava na sacristia em conversa amena com padres, sacristães, seminaristas e outras figuras que por ali entravam para assistir na capela-mor à missa de festa e ouvir o sermão.
O Professor Coelho escreveu uma monografia sobre a freguesia da Piedade, que o Boletim do Núcleo Cultural da Horta publicou no ano de 1961, com o título “A freguesia de Nossa Senhora da Piedade na Ilha do Pico”. Também publicou as suas gazetilhas da semana no jornal “O Telégrafo” sob o pseudónimo de Frei Pedro.
São dois trabalhos que andam esquecidos, dispersos pelos arquivos ou colecções particulares. No nosso entender, merecem ser postos ao alcance do público, sobretudo das gentes novas que frequentam as escolas.
        Ao passar pela velhinha Ermida da Senhora da Rocha tive a sensação de estar a ser reconstruída. Quando reparei que a pequenina sineta já lá se encontrava, como antigamente, logo entendi que também estaria no altar a pequenina imagem.
 Oxalá que não me tenha enganado. É um sinal da cultura popular daquela zona da ilha. Aqui deixo este registo cultural. Figura de Museu paisagístico sobre a rocha alta do calhau rolado, como dizia Gaspar Fructuoso nas Saudades da Terra.
Até aqui, as semanas culturais e recreativas, e foram ainda só duas, têm sido uma iniciativa de feliz adesão das populações.
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"Semanas Culturais e Recreativas" (IV) - Ribeirinha

No aspecto cultural há que ter em conta os costumes deixados por outros. Sempre na Ribeirinha se fizeram cantares pelo Natal, pelas Matanças, pelo Carnaval, pelo Espírito Santo. Sempre se cultivou o hábito das chamarritas e dos bailes de roda, antigamente nas salas maiores das casas de habitação, hoje nos salões comunitários. Manuel Dionísio, natural da Ribeirinha, deixou tudo escrito no seu livro “Costumes Açorianos”.
Dos mais vistosos ou de nomeada – os que fazem parte do folclore tradicional – foram os Ranchos do Natal, os Bandos do Carnaval, os Foliões, sem esquecer as satíricas festas dos cornos do 25 de Abril, dia de São Marcos.
Depois, são também de assinalar os eventos criados por professores, padres e outros carolas de habilidade nata, como sejam os teatros populares, comédias e dramas, e actos de variedades, nos palcos improvisados por ocasião das festas de verão, à claridade da luz incandescente de petróleo, dependurada nos cantos da boca do palco.
 Hoje, os tempos são outros. Os salões, da Ribeirinha e da Baixa são espaços que esperam pelo público e pelos artistas.
 Ficaram na memória as “comédias” do tempo do Padre Manuel Lourenço de Azevedo junto à ermida de São Pedro; mais tarde, de outras promovidas pelo Padre João Domingos. Sem esquecer, o empreendimento já de certo modo arrojado que foi o de levar à cena o Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett. Aconteceu, pela mão do Professor Urbano Dutra quando leccionou na Ribeirinha, nos finais da década de 60.
Sempre houve o desejo de promover eventos mais arrojados. Desta vez, a semana cultural e recreativa de Março passado, foi ocasião para tentar manter esse espírito e ir mais além. E foram, com o aparecimento do novo grupo de cantares “Trovas da Madrugada”.
 Constituído por um bom número de jovens da freguesia, apresentaram um elenco bastante alargado de números musicais, quase todos de raiz popular. Fizeram-no corajosamente, com tocadores hábeis e com vozes bonitas. Algumas das quais me surpreenderam. É caso para reafirmar o que sempre me acompanhou e sempre disse: existem qualidades nos jovens, que, se por vezes não aparecem, é porque não encontram ocasião propícia para o mostrar.
Reafirmo, por isso, que é importante criar condições. E esta semana cultural foi uma ocasião para ajuntar vontades e mostrar que são capazes. E foram. A partir de agora, já sabem o caminho. Só resta, de ora em diante, participar nas festas que aí vem. Na Baixa, no Porto da Baixa, nos Salões da freguesia, nos palcos dos arraiais.
Importante, também, é não ter a pretensão de aprender já mais números musicais, mas consolidar e aperfeiçoar o que se aprendeu. Só depois, outros temas e outras músicas.
        Foram positivas as tertúlias rurais da Semana Cultural e Desportiva. De tudo se falou. Para tomar consciência do passado e de agarrar o futuro. Com esperança e sem medo.
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"Semanas Culturais e Recreativas" (III) - Ribeirinha

Se os acessos, hoje, são estruturas que melhoraram a vida dos habitantes, não menos importante foi o primeiro abastecimento de água.
Com efeito, a partir de 1955 do século passado a água chegou à freguesia em cinco chafarizes e dois bebedoiros públicos. Um homem da Ribeirinha – Manuel Cabral, na América – foi o seu promotor. Um benefício, inaugurado naquela data com a presença do Governador Freitas Pimentel.
        Para trás ficaram os calvários diários de ir, à fonte da rocha, buscar água para os amanhos da casa, sobretudo quando os tanques esvaziavam; ou subir as encostas para ir lavar roupa para o Paul do Juncal. A água foi um salto qualitativo. Hoje, é um bem precioso que vai a todas as casas.
        No campo recreativo e cultural surgiu o Salão da Casa Nova, assim designada por ser uma novidade na altura. Decorria o ano de 1956. Para melhor manutenção e continuidade, foi inscrita no INATEL, assim se mantendo durante largos anos.
        Hoje é o Centro Comunitário da Casa do Povo da Ribeirinha, servindo para os mais variados eventos culturais, religiosos e recreativos. Munida de espaços exíguos, no início da construção, por falta de visão do futuro, foi mais tarde melhorada, e hoje, embora permaneçam os espaços iniciais, possui as instalações próprias para os dias de maior movimento, como sejam as Coroações do Espírito Santo.
        Por fim, veio a luz comunitária, por acção do Padre João Silveira Domingos, que também pôs em marcha o melhoramento do caminho até à Ermida, além de dar passos importantes para a criação da freguesia. Hoje é pública a rede eléctrica.
        Nos tempos que correm, a freguesia da Ribeirinha – conquista da nova Autonomia Regional – goza de estatuto próprio. Apesar das ameaças dos governantes que não sabem nem conhecem a história dos povos, vive-se na esperança da sobrevivência e da fé nos eleitos.
        A Ribeirinha soube aproveitar os benefícios da Autonomia e do seu estatuto próprio. A água pública vai a todas as casas. A luz também. O asfalto cobre os caminhos principais. A qualidade de vida chegou. Importa conservar, consolidar, não estagnar.
 É a altura de dizer a todos os responsáveis políticos e governantes: deixem que sigam o caminho há muito traçado e sempre renovado. Não se acabe com a vida comunitária que foi feita com sangue, suor e lágrimas. (Continua)
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"Semanas Culturais e Recreativas" (II) - Ribeirinha

No ferro puxaram pela têmpera. Bateram na bigorna. Calçaram o arado e a roda, fizeram o alvião e a enxada, o machado e a foice. Fizeram a trempe de suportar a panela da açorda de pão duro.
 Mestres do ferro, foram o José Tomé, pai e filho, os irmãos António Maria, Manuel Maria e o Manuel Lopes, este ainda hoje com acção continuada em um dos seus filhos.
Mas…não menos importante foi a obra das mãos femininas.
Se os homens foram mestres, não menos o foram as mulheres, companheiras e geradoras de filhos. Cozeram o pão, cardaram e fiaram a lã. Fizeram sueras e meias de agasalho. Secaram e debulharam os milhos, enchendo as caixas do grão para o pão de todo o ano. E nos campos foram sempre ao lado do arado e do boi, deitando à terra a semente de matar a fome.
Os campos foram pródigos para todos. Mais para uns do que para outros. Todos tiveram a sua quota parte. Dos que emigraram, muitos fizeram fortuna.
Os mais abastados mandaram os filhos estudar e alguns singraram. Foram professores, advogados, médicos, engenheiros, enfermeiros, jornalistas, padres, deputados, juízes, um monsenhor e um bispo do Oriente, nesta semana recordado, com a apresentação pública da sua biografia, feita por Maria Guiomar Lima, uma das alunas do patriarca, feito exilado e professor voluntário da casa de Santa Luzia de Angra, onde viveu até ao fim dos seus dias.         
Até que os novos tempos também chegaram. Os anos 50 do século passado foram determinantes. Mais do que a estrada Lajes/Piedade, foi a abertura da estrada Piedade/São Roque que abriu por completo as portas aos anseios e preocupações, até então puras miragens, utopias e sonhos, só compensados nos caminhos da emigração e desfeitos mais tarde depois do 25 de Abril de 1974.
        De imediato, foram melhoradas as antigas canadas de acesso, refundidas e adaptadas às exigências dos novos meios de transporte: os ramais do Biscoito, da Terra Alta, da Baixa, o Caminho do Fundo, a Canada Nova, a Canada do Outeirão, a Canada da Tenda, a Canada da Atalhada para os matos, a ligação da Baixa com o Calhau da Piedade e por último o ramal do Porto da Baixa, já no rescaldo revolucionário do 25 de Abril e inaugurado pelo Governador Sá Vaz.
        Haverá mais para melhorar? Naturalmente que sim. As vias que descem para as arribas do mar – as canadas da Fonte, das Quebradas e outras – são tarefas para observar com atenção, assuntos para os encontros de todos os dias. Os interesses pela comunidade são contínuos.
        Não esqueço o caminho para a Rocha das vinhas. Possivelmente por lá não se voltará a cultivar a vinha, mas é lugar para árvores de abrigo. Assim, a figueira, a laranjeira, a macieira e o castanheiro, encontrarão ambiente de crescer e produzir.
        Até à beira rocha, o acesso é de fácil melhoramento para viaturas ligeiras. É de valor acrescentado para as propriedades circundantes.
Todavia, o maior interesse está no mirante sobre a arriba, pois ultrapassa o interesse local. O Alto dos Cedros é, na verdade, um mirante, menos grandioso do que o da Terra Alta na estrada corrente, mas não menos belo. É importante que seja procurado por visitantes, que hoje, com frequência, desembarcam e vão ao encontro de todos os recantos da ilha.
        O acesso pedonal, do mirante à profundidade da beira-mar, continua. Os trilhos podem de novo ser melhorados. A costa marítima, pródiga que sempre foi nas coisas que o mar produz, lá continua esperando por quem gosta de molhar os pés nas águas do baixio e provar do que ele oferece. Pese embora os condicionalismos impostos pelos novos governantes nas apanhas do marisco e da pesca de lazer. (Continua) (escrito na ortografia antiga)
       






sábado, 17 de março de 2012

"Semanas Culturais e Recreativas" (I) Ribeirinha

A Ribeirinha do Pico assenta a sua História no espaço físico entre a rocha alta e baixa, e o interior montanhoso, numa extensão de cerca de um quilómetro, toda virada para a ilha em frente, São Jorge, e a três quilómetros da freguesia da Piedade. Compreende uma zona mais alta – a freguesia da Ribeirinha propriamente dita, e uma zona mais baixa, de veraneio – a Baixa.
Os povos que a habitaram foram buscar o sustento à terra que lavraram, mondaram, desbastaram, juntando pedras, fazendo maroiços, paredes, bardos de abrigo. Das zonas baixas até ao monte mais alto cultivaram vinhas, milho, trigo e outros cereais. Nos espaços mais reduzidos fizeram batatas, inhames, feijão e outros primores de ir à mesa.
Dos animais domésticos fizeram a força motriz para a lavra e o transporte. Deles retiraram o sustento: o leite e o queijo. Da ovelha, a lã para o agasalho. Dos suínos tiraram a carne e a gordura. Fizeram enchidos e fumeiros, condutos para o inhame da meia encosta.
Estenderam a matéria-prima do leite das vacas, à indústria de produtos lácteos. Construíram por isso sociedades de produção de manteiga que exportavam para o Continente. Fazem parte desse conjunto de indústrias, hoje desaparecidas, os Irmãos São João, no Paul do Juncal, o Francisco Terra nos matos da Lagoa, os Fragas e a Cooperativa na Estrada Regional. Hoje, só restam as ruínas dos espaços utilizados, e algum documento perdido nas gavetas de alguns familiares.
Aproveitaram a energia do vento para os moinhos de moer. Como não eram suficientes, e nem todos podiam pagar a moenda, muitas foram as atafonas movidas pela força dos mansos bois de lavrar. Moinhos e atafonas fazem parte, hoje, das memórias. Só ruínas e destroços.
 Dos mais hábeis e destemidos, nasceram as profissões. Na pedra, foram mestres. Exemplos ainda existem, espalhados pelo casario. A Igreja Paroquial e a antiga Escola e Casa do Espírito Santo, esta com data de 1895, são exemplos. Outros, infelizmente, acabaram no entulho do lixo que não serve. Estenderam a arte por terras vizinhas e pela ilha de São Jorge onde por lá chegavam a estar semanas e meses na construção de casas. Uma delas foi a Igreja de São Tomé, para os lados do Topo, destruída pela crise sísmica de 1980.
Das peles dos animais fizeram o calçado – as albarcas. E do cedro, fizeram as galochas. Veio o sapateiro e agasalhou os mais abastados. Vieram outros e mais outros. Alguns assentaram profissão em terras vizinhas.
Com a madeira cobriram os tectos de abrigar as casas. Os Janeiros, mestres da serra de braçal, da enchó e do machado, fizeram rodas dentadas para moinhos e atafonas; fizeram cangas e “canzis”, arados e carros de bois, cangalhas para burros e bestas.
Manuel Homem dos Cedros, estudioso atento, autodidacta assumido, pronto para o chiste e para a sátira, odiado por uns e amado por outros, foi o artista da mobília encomendada para o casamento. Os polimentos, a verniz de boneca, eram limpos, brilhantes, sem mácula. Era assim que ele exigia aos aprendizes que por lá passaram.
Sempre trabalhou na sua oficina, sita no largo do Império. Lá desenhava e executava. Lá instalou, com a ajuda de um motor a gasóleo, um sistema de roldanas multiplicadoras para fazer rodar a serra, a plaina e o cantil, a altas velocidades.
Foram as primeiras iniciativas, na ilha, para modernizar a carpintaria. Foi o professor de outros que deram continuidade à arte da madeira, agora, com outros meios mais sofisticados, movidos pela força da energia eléctrica que acabou por chegar a todas as casas. Manuel e Raul Lourenço (já falecidos), José Porto, Manuel Lino e Manuel Júlio deram continuidade ao mestre.(Continua)
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quinta-feira, 8 de março de 2012

Pelos trilhos da Ribeirinha na demanda do Alto dos Cedros - um texto de Carlos Fagundes publicado no Pico da Vigia, aqui transcrito com a devida vénia

Integrando o projecto "Freguesias Comvida" organizado pelo pelouro da Cultura da Câmara Municipal das Lajes do Pico, a freguesia da Ribeirinha do Pico, a mais jovem do concelho lajense, organizou, entre os dias 27 de Fevereiro e 4 de Março, uma semana cultural e desportiva, durante a qual teve lugar um conjunto de actividades diversíssimas, das quais se destacaram worshops, tertúlias, feira do livro, música, teatro, literatura, programas educativos, trilhos, jogos de salão, jogos tradicionais, passeios fotografia, etc.
Entre estas actividades que, segundo a opinião dos seus organizadores, tiveram uma adesão bastante significativa por parte da população, teve lugar, na manhã do dia 4 uma interessantíssima caminhada pedestre por trilhos antigos, outrora calcorreados pelos homens e pelas mulheres da Ribeirinha, de pés descalços ou de albarcas, a labutar nas sua lides agrícolas diárias. Trata-se de caminhos outrora repletos de pessoas, de animais, de vida, de pujança e animação, percorridos por carros de bois a sulcar-lhe as pedras, e a marcá-las para sempre com rilheiras, ainda bem visíveis, mas hoje abandonados e quase desertos, a abarrotar de árvores, de vegetação, de sombras, de ecos da chiadeira de carros e de murmúrios silenciosos, mas ainda detentores duma beleza sublime e de uma graciosidade inaudita.
O grupo, que se dispôs a percorrer estes eternos caminhos de um passado recente mas ainda bem presente nalgumas memórias, era constituído por vinte e três pessoas, sob a orientação do sr. Flávio, um ribeirinhense de gema, profundo conhecedor e amante da sua terra. Cada vereda, cada caminho, cada atalho, cada pedra, cada árvore, cada planta, cada erva, cada pássaro e até cada árvore derrubada, parecem estar-lhe no sangue e pertencerem ao seu quotidiano, ao mesmo tempo que, nos seus périplos pela natureza, estabelece com cada um dos seus elementos uma perfeita relação de estima, de respeito, de reconhecimento e de profunda amizade.
Saindo do largo do império, ali mesmo junto à Ribeira do Fundo, a receber lá em cima a confluência das ribeiras dos Valinhos e do Poço da Areia, atravessamos a Rua da Igreja e entramos na Canada do Outeirão, com destino à parte mais interior da freguesia e da ilha. Depressa atingimos a Estrada Nacional, antes porém, examinámos aquilo que outrora foi uma eira de debulhar o trigo e o centeio, embora já sem moirão e bastante abandonada. De seguida iniciámos a subida do Caminho Novo, até à Travessa, sendo possível observar a mistura com alguns terrenos de cultivo de inhames e pastagens, uma vegetação onde dominam os insensos e as faias, intercalados com algumas acácias gigantes, espécie importada da Austrália e que durante muitos anos abasteceram a pujante construção naval da vizinha freguesia de Santo Amaro. O caminho está pejado de erva néveda, de erva férrea, de erva branca, de salsa-parrilha, de junça brava e de mentrasto, a conferir-lhe um perfume adocicado e um sabor amarelecido. São os saborosos inhames destas paragens que outrora, juntamente com os "torresmos tolos", guardados juntamente com pedacinhos de linguiça na "cabouca", serviam de lauta refeição matinal, a revigorar, logo pela madrugada, os homens que cavavam estes campos e que carregavam molhos, cestos e sacos por estas íngremes e sinuosas veredas. Zona de densos arvoredos, de arbustos, de ervas, de flores e de frutos, é território priveligiado da "Forfalha" ou "Estrelinha", um dos mais pequenos pássaros do Pico.
Terminado o caminho velho, entrámos na Travessa que nos conduziu à Ribeira do Poço da Areia, descendo, de seguida, até à estrada Nacional, ao longo da sua margem direita, povoada por um denso arvoredo, muito dele derrubado por fortes vendavais, onde pontificam muitas espécies endémicas como a Urze, o Pau Branco, o Sanguinho, o Loureiro e o Vinhático.
Depois a Mata, outrora local da grande festa dos lavradores a rivalizar com a da Baixa, celebrada junto ao mar, a Terra Alta e a descida do Caminho Velho, onde também são visíveis as rilheiras marcadas pelas rodas dos carros de bois a circular por ali abaixo anos a fio. Finalmente a descida da Ladeira, a meio da qual virámos para o Caminho da Rocha, na demanda do mais belo e mais emblemático miradouro da Freguesia: o Alto dos Cedros. Dali, apesar do nevoeiro e da neblina reinantes, foi possível apreciar uma das mais belas paisagens da ilha do Pico, da sua costa norte, altiva e imponente, a abarrotar de verdura, com São Jorge lá ao fundo, separado da ilha Montanha pela insustentável e perene braveza do oceano.
É verdade que por ali não há cedros, apenas zimbreiros. Perante a estranheza dos presentes, a explicação foi rápida e eficiente: que a origem daquele topónimo, nada tem a ver com a espécie vegetal sua homónima, mas sim com uma importante e ilustre família ribeirinhense, de apelido "Cedros", que por ali abaixo, outrora, possuía terras, hortas, vinhas e adegas.
A Semana Cultural e Desportiva da Ribeirinha encerrou, à noite, com um sarau, durante o qual foi apresentado o livro de Guiomar de Lima, sobre Dom José Vieira Alvernaz, Patriarca das Índias e um dos mais ilustres filhos daquela freguesia picoense e em que actuou, sob a direcção do Maestro Emílio Porto, também ele natural da Ribeirinha, o Grupo Coral das Lajes do Pico, deliciando o público com uma soberba interpretação de alguns dos mais belos temas musicais do seu vasto repertório. (Transcrição do blog Pico da Vigia, com a devida vénia).

quarta-feira, 7 de março de 2012

Na apresentação da biografia de D. José Vieira Alvernaz - 04.03.2012

A todos os presentes damos as boas vindas, para uma sessão cultural pouco vulgar. Não recordo, por aqui, sessões culturais desta natureza, ou seja uma apresentação pública de um livro. E logo, para começar, de um livro biográfico de um filho desta terra - José Vieira Alvernaz.
Quem foi o seu biógrafo? A pergunta tem de fazer-se no feminino, já que se trata de uma senhora - Maria Guiomar Lima, aqui sentada ao meu lado. Comecemos então por aqui. Quem é esta senhorea?
Maria guiomar Lima nasceu nesta freguesia da Ribeirinha, na altura lugar da Piedade, a 7 de Fevereiro de 1950. É filha de João Lima e de Maria de Jesus Azevedo Lima. Ainda jovem, na companhia dos seus pais, foi viver para Angra, no ano de 1959. Nesta cidade viveu e fez os seus estudos no Liceu de Angra do Heroismo até 1972.
Está joje aqui connosco, a convite da Junta de Freguesia, para apresentar o seu livro sobre a vida de D. José Vieira Alvernaz.
Seja bemvinda à sua terra natal.
Obrigado pela sua presença.
Obrigado por me ter dado esta primeira fala.
Obrigado pela prenda que nos traz.

Quando o Patriarca Vieira Alvernaz regressou de Goa em 1963, passou a residir na sua casa em Santa Luzia de Angra. E aqui, ocupava o tempo, dando explicações a alunos e alunas que o procuravam. Foram muitos que o fizeram.
Maria Guiomar foi uma dessas alunas. Teve, pois, o privilégio de, durante largos anos, conhecer e entender o homem que lhe dava excplicações. De beber de um estudo acompanhado, paciente e metódico, como paciente e metódico era o senhor Patriarca. Era, no dizer do povo, "um poço de sabedoria".
Mais tarde licenciou-se em Psicologia na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação de Lisboa. Iniciou um mestrado em comunicação social na Universidade Nova, foi jornalista duramte três décadas, tendo trabalhado no Jornal Novo, Diário de Notícias, Diário de Lisboa, semanário O Independente e outros. Fez parte da célebre e malograda expedição a Timor, no navio Lusitânia, impedido que foi, por forças navais indonésias de sulcar as águas timorenses.
A investigação destinada à publicação desta obra decorreu entre 2005 e 2009 sob a orientação do Professor Artur Teodoro de Matos da Universidade Católica.
Recordando os contactos personalizados - do tempo das explicações em Angra, que foram as primeiras fontes de informação - meteu mãos à obra, com o desejo de tornar mais conhecido e reconhecido o senhor D. José Vieira Alvernaz, sobretudo pela acção que teve durante a ocupação do território pela União Indiana.
Chamo a atenção para o capítulo que fala dos dias difíceis da ocupação. E permiram-me que repita o que já disse noutro lugar: "os grandes homens medem-se também pela coragem de desobedecer ao chefe quando se trata de salvar vidas". Salazar não lhe perdoou, mas Salazar é que perdeu.
Maria Guiomar conversou com ex-combatentes da Índia. Combatentes feitos prisioneiros, entre os qauis o Capitão Manuel Bernardo Riqueza, picoense, natural de São João. Conversou com Pezarat Correia, Adriano Moreira, com o neto do então Governador da Índia, General Vassalo e Silva, com muitas outras individsualidades daquele tempo.
Procurou nos arquivos nacionais: Arquivo Histórico Ultramarino, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Biblioteca Nacional, Sociedade de Geografia de Lisboa, jornais insulares e nacionais. Foi a Roma a andou nos corredores cemtrais da Igreja Católica, sobretudo no Pontifício Colégio Português.
Concorreu a uma bolsa de estudos da Fundação do Oriente, e foi até às dioceses de Goa e Cochim. Procurou informações nos arquivos, leu jornais da Índia Portuguesa e os boletins eclesiásticos. Falou com sacerdotes e leigos que conheceram D. José. Nestas curtas estadias teve oportunidade de consultar e ouvir os ecos deixados por Alvernaz nas terras do Oriente.
Para ler a biografgia, melhor será começar pelo percurso que Maria Guiomar fez, e que está na página 247 e seguintes.
Eu chamo-lhe uma nova viagem para a Índia, mas para outras descobertas, com muitos novos portos, muitos novos ancoradouros, muitos testemunhos, todos dados com alegria e afecto, desta feita sem cabo das tormentas, nem adamastores de meter medo. Tudo para descobrir terras pisadas por um filho desta terra, conhecer o seu trabalho, os testemunhos que lá deixou, para, finalmente, nos dar a conhecer, a todos, o que foi a vida deste homem. Uma prenda para os Açores.
Lembro que prepara um novo livro. Desta feita sobre o Cardeal Costa Nunes. E eu ficaria por aqui. Maria Guiomar vai dizer o mais importante. Eu limitar-me-ia a acrescentar o seguinte: esta biografia que aqui hoje se apresenta é a biografia de um santo.
Transcrevo o que está escrito nas primeiras linhas do livro, e que são reveladoras da santidade deste homem: "Era Outono de 1962, o  Concílio Ecuménico Vaticano II ia começar. Um homem alto, magro, de barbas brancas desembarcou no aeroporto de Roma, vindo do Oriente. Queimado pelo sol, usava a batina clara e o chapaéu dos bispos missionários e parecia exausto com o olhar cansado de quem não dormia há muito. Procurou uma cara conhecida entre a multidão que aguardava passageiros, mas não viu ninguém à sua espera e baixou a cabeça ainda mais abatido. Em seguida endireitou-se, firme, espadaúdo, pegou na sua pequena mala de viagem e tomou um transporte público para o centro da cidade".
Parabéns à Maria Guiomar Lima por esta viagem à Índia, à descoberta das obras e feitos que por lá deixou José Vieira Alvernaz filho da Ribeirinha desta Ilha do Pico, filho dos Açores, de Portugal e do Mundo. Ribeirinha, 4 de Março de 2012. Manuel Emílio Porto.

terça-feira, 6 de março de 2012

Um livro que vem para clarificar

Acaba de sair o livro “Jesus de Nazaré e as Mulheres”. E acabo de ler a entrevista que o seu autor, Artur Cunha de Oliveira, deu ao Correio dos Açores de 1 de Março de 2012.
        Cunha de Oliveira é estudioso seguro. Não apresenta nada que não seja fundamentado e bem fundamentado. Há todavia, sempre houve, ressonâncias negativas. Que irão aparecer, com certeza. Ou talvez não.
        Hoje é certo que nem tudo o que sai do Vaticano tem o selo de garantia. Historicamente, quantas verdades saídas e abençoadas com bênções do céu acabaram em mentiras no cesto dos papéis.
        Não vou comentar a questão de Madalena, porque não estou fundamentado, não é o que mais importa nos dias que correm, acredito na explicação dada por Cunha de Oliveira, e vou para a seguinte afirmação que ele, muito bem, coloca: “Na Igreja Católica há uma necessidade absoluta de repensar muitas coisas e de colocar a verdade acima de tudo. Uma coisa é a lenda, a crença, a fé, e outra é a história e a verdade.” Mais: eu diria que os tempos mudaram e mudaram por completo. Mudaram do avesso.
        Este é um ano para continuar a insistir nas reformas há muito badaladas e nunca concretizadas. Decorrem 50 anos do concílio Vaticano II, um concílio que tanto prometeu, mas que nunca foi além do vernáculo na missa. Alguém, de créditos firmados, diz que o Concílio é agora. Vou mais longe: é agora, sim, mas já devia ter sido. Muito tempo se perdeu atrás de vaidades e preconceitos sem pés nem cabeça. Os apelos a uma prática antiquada são cada vez mais pontos de desorientação e afastamentos.
Parece que existem duas forças antagónicas. Uma que parte do Vaticano e que aponta sempre no sentido do seu passado interno. Outra que espera abertura a novas formas de estar dentro da Igreja.
O Vaticano II deixou portas abertas para muitas reformas, tais como a abolição de condições para o exercício da evangelização. A todos os níveis. As fidelidades só se justificam quando existem condições para a sua manutenção. Desaparecem quando as condições mudam, e passam a ser outras. Quando é que o Vaticano aceita e subscreve a declaração universal dos direitos do homem?
 Nada pode ser eterno. Só há um cristão e sacerdote para sempre - in aeternum – Jesus Cristo. Os outros – os que o seguem – são cristãos e sacerdotes efémeros, como efémera é a vida neste mundo, enquanto optam livremente pelo compromisso assumido, enquanto as condições se mantém. Não há marcas, ou selos indeléveis, como fizeram crer os teólogos medievais.


sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sentido único, não há outro!

“Não penses. Se pensas, não fales. Se pensas e falas, não escrevas. Se pensas e falas e escreves, não assines com o teu nome. Se pensas e falas e escreves e assinas com o teu nome, não fiques surpreendido”.
        Parece anedota, mas não é. É o que sucede a quem anda nos corredores do Vaticano ou das Cúrias. Ou de quem se atreve a querer saber os porquês ou as causas das ordens e despachos. É o que afirma um conceituado jesuíta, consultor de uma das congregações do Vaticano.
 Antes de continuar, convém dizer que também aconteceu nas sociedades de poder concentrado numa só pessoa. Exemplos, na História, não faltam, infelizmente.
        E quanto à Igreja, toda a gente se recorda do aviso: Roma locuta est, causa finita est. Numa tradução livre, seria assim: Roma disse, está dito, mais nada a dizer, acabou a discussão.
Muito se repetia nas aulas de teologia. Uma forma de vincar bem a infalibilidade. Com o amadurecimento do espírito, que é Santo, tudo se nos revela com mais clareza, como um amanhecer lento e suave em direcção ao sol radioso do dia.
        A verdade é que o Vaticano II tentou amenizar este axioma com a colegialidade episcopal. Era uma forma de tomar decisões consensuais e não pessoais. Hoje diz-se, e parece claro, que foi a prática mais difícil de concretizar. Depressa se voltou a trás, depressa se pôs a defesa por causa do mar não entrar.
 Quando os poderes tradicionais começaram a dar sinais de insegurança, ameaçando abrir fendas, brechas, tudo aconteceu. A colegialidade ficou na gaveta e logo uma reforma cirúrgica se fez.
 Mais uns cânones, do direito canónico, de carácter assertivo, dogmático e vinculativo. O assunto ficou resolvido. Tudo ficou selado, aferrolhado a fechado a sete chaves. Ninguém pode fazer juízos sobre o Papa; ele é o representante de Deus, e como tal nunca se engana. “Contra uma sentença ou decreto do Pontífice Romano não há apelo nem recurso (Cânone 333, § 3).
 Assim está baseado todo o poder dentro da Igreja Católica, Apostólica, Romana. A Igreja do Papado, e da sua Cúria. E, muito naturalmente, assim é em toda a pirâmide, desde o cimo até às bases. Temos por aí exemplos.
Há dias, mais uma vez se ouviu, pela boca do novo Cardeal português, de que a família é a base da educação, da paz e boa convivência social. A mãe deve ter mais tempo para os filhos, para ficar em casa e cuidar deles.”
Se no passado assim aconteceu, hoje já não é assim. E mal vai a Igreja de Roma se não abre as janelas para o mundo que a rodeia. É tempo de estudar o Evangelho e aplicá-lo aos tempos de hoje. Sem ordens morais, nem condenações, nem condições impostas para servir o Senhor Deus.
Cito as palavras elucidativas de um Cardeal que participou no concilio Vaticano II: “Estou convencido de que quem governa a Igreja pode mostrar um caminho melhor do que aquele que conseguiu mostrar a encíclica Humanae vitae. A Igreja recuperará assim a credibilidade e a competência. (…) Provavelmente, o Papa não retirará do mapa a encíclica, mas pode redigir uma nova e até ir mais longe. O desejo de que o magistério diga qualquer coisa de positivo sobre a sexualidade, justifica-se. Noutros tempos, talvez tenha havido, demasiados pronunciamentos oficiais da Igreja, relativamente ao sexto mandamento. Algumas vezes teria sido melhor que tivesse ficado calada.” (Cardeal Carlo Maria Martini). E o mesmo Cardeal continua: “Depois de ler a primeira encíclica de Bento XVI, “Deus caritas est/Deus é amor”, que julgo ser o primeiro documento papal a falar de modo positivo do amor eros, pensei que a revogação na continuidade da Humanae vitae estava para acontecer. Depois veio a encíclica sobre a esperança. Mas é melhor não esperar por tal”.
O mesmo Cardeal desabafa, dizendo que em novo sonhava com outra igreja mais interventiva. Hoje, com oitenta e tal anos, diz que se limita a “rezar pela Igreja”.
É do conhecimento público: a Tradição, na Igreja, está ligada à Cúria. O que ela diz é que está conforme com a lei divina. Aliás continua a ser um dogma de fé: a tradição é fonte de inspiração divina. Assim, nada de novo, nada de reformas. O Papa e a Cúria são e fazem a Tradição, e contra este dogma não há verso nem controverso, não há diálogo, não há procura de consensos.
Dentro do Vaticano reina o secretismo. Nada deve ser dito. Vive-se com medo. Medo de se saber, medo de dizer, medo de dar opinião, medo, medo de tudo.
Assim se explicam os ambientes carregados que vão por dentro das cúrias de todo o mundo. Com exemplos desta natureza, da parte de quem prega o Evangelho, não é possível a fé na Igreja. Com estes pressupostos, perde-se autoridade, perde-se a legitimidade de promover e apelar à fé.
Depois de tantos anos decorridos, de tantas acusações aos inimigos da Igreja, de tantas perseguições, de tantos mártires, de tanta desgraça inquisitória, só nos resta exclamar: afinal as portas do inferno estão dentro da própria Igreja.
Foi ela própria que construíu o inferno que a queima e degrada cada dia que passa.. "As portas do inferno" estão dentro. Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam. Et portae inferi non praevalebunt adversus eam".
Agora melhor se compreende. A Cúria Romana é esse inferno. As normas, ditas disciplinares, acabaram por ser a negação da mensagem evangélica. Foram e são o inferno construído dentro do castelo. Nada e ninguém a poderá vencer. Os italianos dizem: "Roma faz a fé, e o mundo acredita".
Para os crentes - não quero contribuir para a falta de fé dos outros - acreditemos no Evangelho. O resto é fogo fátuo. Sem interesse.